domingo, 18 de agosto de 2019

Os Ritos da Igreja: 6 - O RITO ARMÊNIO



O RITO ARMÊNIO é um dos tradicionais Ritos da Igreja. Seu desenvolvimento se deu a partir da região do antigo reino da Armênia, que afirma ter sido também sua Igreja fundada por Apóstolos: São Bartolomeu e São Judas Tadeu teriam sido os primeiros a introduzir a Fé em Cristo no território armênio, tendo também organizado a primeira comunidade de cristãos daquele território, nascendo assim a Igreja da Armênia.

O antigo reino da Armênia (hoje país) está localizado no continente asiático, numa região montanhosa na Eurásia entre o mar Negro e o Mar Cáspio, no sul do Cáucaso. Faz fronteira com a Turquia a oeste, Geórgia a norte, Azerbaijão a leste e com o Irã ao sul.

A Liturgia armênia se destaca por sua beleza e solenidade. Originalmente, nos primeiros séculos da Igreja na Armênia, foi introduzido um rito do tipo siríaco, algo talvez da Liturgia de São Tiago que, como vimos, é de certa forma a Liturgia mãe de quase todos os ritos. Deste rito ainda se percebem alguns vestígios no atual Rito Armênio. Em seguida, sobreveio o influxo de algumas práticas litúrgicas provenientes de Cesareia da Capadócia, que era de Rito Antioqueno; dessa influência, derivaram mais tarde os ritos armênio e bizantino, o que explica porque a liturgia armênia é provavelmente a mais parecida com a liturgia bizantina.

Antes de apresentarmos o rito em si, há que mencionar algumas de suas particularidades ou características que a ele estão intimamente relacionadas.


Uma coisa que se nota nas igrejas de Rito Armênio, logo de início, é que não há a iconóstase comum no Rito Bizantino (e também no Copta) mas que, por outro lado, têm algo muito característico: a presença de uma cortina, que fica entre o presbitério (sempre em nível elevado) e restante da igreja. Essa cortina, que como veremos mais adiante, é fechada em alguns momentos durante a Liturgia, tem a finalidade tanto de trazer uma atmosfera de mistério à celebração litúrgica (afinal, ali se estão celebrando os "Santos Mistérios") como também para fazer com que os fieis se concentrem em sua oração e não se distraiam com certos ritos e ações do celebrante em alguns momentos da celebração. Essa prática, embora ainda encontrada também em algumas de Rito Caldeu e até de Siríaco Antioqueno (Siro-Malancar), hoje é uma das características próprias das igrejas de Rito Armênio. No entanto, consta que era comum a praticamente todos os ritos nos tempos primitivos da Igreja (até hoje ainda conservam-se estruturas deste tipo em igrejas do Rito Romano).

A Missa é celebrada - assim como em todos os ritos tradicionais - "versus Deum", isto é, de frente para Deus e "de costas" para o povo. Outra característica interessante do Rito Armênio é que, ao paramentar-se, tanto o celebrante quanto os diáconos, acólitos e quem mais for subir ao presbitério para aproximar-se do altar, tiram os sapatos e colocam uma espécie de "sapatilha" ou "meia", um calçado especial, em tecido nobre (veludo ou outro tipo) com desenhos e bordados, que serve para indicar a importância do local  ao qual pretendem se aproximar: assim como Moisés teve de tirar as sandálias de seus pés para aproximar-se da Sarça Ardente (pois ali estava Deus), também os armênios tiram seus sapatos vulgares e calçam "sapatos litúrgicos" para se aproximarem do Altar de Deus, onde o Cristo se fará presente na Santíssima Eucaristia.
Momento em que as cortinas se fecham
Catedral Armênia Católica de São Gregório Iluminador - São Paulo - Brasil

E por falar em paramentos, vale ressaltar que, assim como no Rito Bizantino, no Rito Armênio os paramentos são belíssimos e suntuosos: na verdade, em praticamente todos os Ritos Tradicionais - inclusive o Romano - o são. Somente no Rito Romano Moderno (pós Vaticano II) é que houve uma simplificação tamanha dos paramentos que - me perdoem - beira ao desleixo. Todo católico deveria entender que os paramentos, isto é, a vestimenta usada para a celebração litúrgica não tem a finalidade de "embelezar" o padre que a utiliza, mas antes, que está intimamente ligada à magnitude e à imponência dos Divinos Mistérios que se celebram (para Deus o melhor!). Enfim...

Outra particularidade do Rito Armênio é que, nele, os bispos usam mitra e báculo latinos (a mitra um pouco mais comprida), assim como os bispos ocidentais (provavelmente influência dos missionários ocidentais) enquanto os sacerdotes usam uma espécie de báculo oriental e uma espécie de coroa, ambos semelhantes aos utilizados pelos bispos bizantinos (embora a coroa do Rito Armênio seja menor e mais discreta, por exemplo).

Na imagem é possível ver o Bispo de mitra e báculo latinos, enquanto um sacerdote usa uma espécie de coroa
Também é possível  ver que todos usam a espécie de "calçado litúrgico" descrita anteriormente
(Catedral Armênia Católica de Nossa Senhora de Narek - Buenos Aires - Argentina

Ao contrário dos outros Ritos, em que mais de uma igreja os utiliza, atualmente apenas uma igreja "sui juris", - portanto Católica - tem o Rito Armênio como Liturgia oficial:

A IGREJA ARMÊNIA CATÓLICA.

Conforme fora dito no início deste artigo, o Rito Armênio se desenvolveu, primeiramente a partir de um rito do tipo siríaco-Antioqueno com algumas práticas litúrgicas provenientes de Cesareia da Capadócia, influências essas que acabaram produzindo também o Rito Bizantino. No entanto, o Rito Armênio têm como principal nome aquele que teria sido o responsável por estabelecer suas principais diretrizes: São Gregório o iluminador, que fora o Santo chamado Apóstolo da Armênia por ter sido o responsável pela conversão do Rei da Armênia (Tirídates III) e copm ele de todo o reino que se tornou o primeiro Reino cristão (no ano 301). Teria sido São Gregório Iluminador aquele que definiu as bases do Rito Armênio, tal qual é preservado até nossos dias. Também houve influências em sua liturgia, além do Rito Bizantino, também do Rito Romano, como veremos.


A Divina Liturgia Armênia

A Divina Liturgia (Santa Missa) no Rito Armênio tem a língua Armênia como língua litúrgica, com exceção das leituras e da homilia pronunciada ao povo. Divide-se em 4 partes:

I - Rito de Entrada;
II - Synaxis ou Liturgia da Palavra;
III - Missa dos Fiéis ou Liturgia Eucarística;
IV - Rito de Conclusão;

O então Patriarca Armênio Católico Nersés Bedros XIX Tarmouni celebra a Divina Liturgia em Rito Armênio na Basílica de São Pedro, no Vaticano. O Patriarca repousou no Senhor em 25 de junho de 2015.

No rito de entrada, são preparados os dons que serão santificados, preparação de certa forma mais simples que, por exemplo, no Rito Bizantino ou em outras Liturgias Orientais. A Divina Liturgia (Santa Missa) inicia-se praticamente igual à Liturgia do Rito Romano (Tradicional), com as "orações ao pé do altar" (para purificar-se antes de se aproximar do altar de Deus para a celebração dos santos mistérios). Na preparação, é utilizado o pão ázimo (sem fermento), tal qual no Rito Romano. Canta-se então o hino "Oh Profundo Mistério" enquanto o sacerdote se aproxima do altar:

"Oh Profundo Mistério,inalcançável, sem começo! Tu adornastes as potências do alto qual tálamo de luz inacessível e aos coros dos anjos da glória resplandecente. Oh Rei do céu, conserva firme a tua Igreja e guarda em tua paz aos que adoram teu santo nome".

No Rito Penitencial se dão absolvições mútuas o Sacerdote e o Diácono, e após a Salmodia (Salmo 99 - "Aclamai o Senhor, por toda a terra. Servi o Senhor com alegria. Vinde, exultantes em sua presença. Sabei que o Senhor é Deus: Ele nos fez, e a Ele pertencemos...") têm lugar as Intercessões.

A Synaxis ou Liturgia da Palavra inicia-se com a Entrada e o Triságio (com incisos próprios, por exemplo, na Páscoa: "Santo Deus, Santo e Forte, Santo e Imortal, que ressuscitou dentre os mortos, tem piedade de nós). Em Seguida vêm lugar as Litanias e, após estas, as Leituras das Epístolas, dos Salmos e o Santo Evangelho; Terminada a Homilia, recita-se o Símbolo Niceno-Constantinopolitano seguido de um anátema anti-ariano e uma glorificação trinitária. Recitado este, tem lugar a Despedida/Proibição: "Nenhum dos catecúmenos, nenhum com pouca fé e nenhum dos penitentes e dos impuros se aproxime a este Divino Mistério".

Em seguida inicia-se a Missa dos Fiéis ou Liturgia Eucarística,  começando com o "Ósculo da Paz", que no Rito Armênio tem um significado ainda mais explícito. O Diácono diz: Saudai-vos mutuamente pelo ósculo da paz, e que aqueles que não são aptos a participar destes santos mistérios se retirem e vão rezar fora". Todo o povo se saúda dizendo: "Jesus Cristo está entre nós". O coro então canta um hino breve, mas que sintetiza admiravelmente o sentido infinitamente rico da ação que se passa neste momento. 

Logo então vem a Anáfora. No Rito Armênio são usadas algumas, sendo elas: três da Tradição Bizantina: as de Santo Atanásio, São João Crisóstomo e São Basílio; outras de esquema Antioqueno: as de São Tiago e Santo Inácio; outras com particularidades próprias: as de São Gregório Nazianzeno e São Cirilo de Alexandria. A Anáfora consta de:

- Diálogo Invitatorial: o diácono diz "As portas, vigiai com toda prudência e atenção! Elevai ao alto a mente com temor de Deus"; ao que a assembléia responde: "A temos elevada para ti, Senhor onipotente". De novo o Diácono diz: "E dai graças ao Senhor com todo o coração"; A assembléia responde: "É coisa digna e justa";
Elevação do cálice

- O Prefácio e o Santo: o Celebrante diz "E de criar melodias, com os Serafins e com os Querubins, cantando ao uníssono o Triságio e, bradam firmemente, exclamar junto a eles com grande voz, dizendo: Santo, Santo, Santo, Senhor Deus dos..."  

- Relato da Instituição: O sacerdote prossegue dizendo "Enquanto tomou o pão em suas santas, divinas, imaculadas e criadoras mãos, o abençoou [coloca a hóstia na palma de sua mão esquerda, e com a direita traça a bênção sobre ele], deu graças e o deu a seus eleitos, a seus santos, aos discípulos sentados com Ele à mesa, dizendo: Este é meu Corpo que é distribuído por vós e por muitos para a expiação e a remissão dos pecados"; Em seguida, tomando o cálice, diz: "Tomai e bebei todos: Este é meu Sangue da nova Aliança, que é derramado por vós e por muitos para a expiação e a remissão dos pecados". 

- Na sequência vem a Anamnese, a Epiclese (invocação do Espírito Santo sobre os dons) e o Pai-Nosso. Por fim, a elevação da Divina Eucaristia onde o sacerdote canta: "O Santo aos santos" ao que a assembléia aclama "um somente é Santo, um somente é Senhor, Jesus Cristo, na glória de Deus Pai. Amém". Vale ressaltar que a elevação se dá praticamente da mesma forma que no Rito Romano.

Terminadas essas partes, vem a Comunhão do celebrante. Em seguida, antes da Comunhão dos fiéis, diz o diácono: "Com temor e fé, aproxime-se e comungai com santidade. Dizei: pequei contra Deus. Creio no Pai Santo, Deus verdadeiro; creio no Filho Santo, Deus verdadeiro; Creio no Espírito Santo, Deus verdadeiro; Confesso e creio que este é o verdadeiro Corpo e Sangue de Jesus Cristo, nosso Senhor e Salvador, que tira o pecado do mundo". Forma-se então a fila para a comunhão dos fiéis.

A Comunhão dos fiéis

Em diversos momentos da Divina Liturgia (procissão de entrada, a do Evangelho e a dos Dons, assim como durante a récita do Triságio e o Credo) soam os "Exaptérigos", que é uma espécie de vara comprida com um disco metálico na extremidade, com campainhas presas ao redor, que representam os querubins.

Outro ponto importante e bem característico do Rito Armênio, conforme mencionado no início do artigo, é a presença das cortinas que se fecham em dois momentos da Divina Liturgia: No ofertório e também durante a Comunhão do Sacerdote.

Dom Vartan Boghossian, Bispo Emérito do Exarcado
Armênio Católico para a América Latina, dá a bênção final
com a Cruz Armênia em punho
Por fim há o Rito de Conclusão: Após a Ação de Graças (pós Comunhão) tem lugar a Bênção Final e a Despedida: "Sede abençoados pela graça do Espírito Santo; ide em paz". Em seguida, sobretudo nos dias festivos, há também a proclamação do Prólogo do Evangelho de São João, da mesma forma que no Rito Romano Tradicional (Tridentino).

Para concluir, abaixo compartilhamos um vídeo onde podemos ver alguns momentos da Divina Liturgia em Rito Armênio, celebrado por sua Excelência Dom Paulo León Hakimian, à época do vídeo pároco da Catedral Armênia Católica de Buenos Aires, hoje Exarca Apostólico dos Armênios Católicos da América Latina, com sede em São Paulo - Brasil:





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Esperamos que com este pequeno artigo tenhamos conseguido apresentar um pouco mais da Riqueza da Igreja Católica em seu tesouro oriental, neste caso, com o Rito Armênio.

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